#13. Afinal, por que uma ex-workaholic (2)?
Às vezes a gente caminha no caminho que está disponível. E esquece que também tem a opção de pegar uma pá, uma enxada, limpar as ervas daninhas, abrir espaço e criar o seu próprio caminho.
Esse texto é uma continuação do texto #12, em que fiz um recap da minha carreira, com foco nos 7 anos na indústria tech, e conta os motivos que me levaram a decidir ser uma ex-workaholic. Se você não leu ele ainda e quiser entender mais, vale voltar lá antes de continuar aqui. Leia ou revise o texto 12.
Capítulo 3 - Criando um novo caminho
Falei em algum texto passado sobre a analogia do tanque de combustível. Relembrando, ele fala que nós temos um tanque único nessa vida. Se uma área está demandando muita energia e consumindo muito desse tanque, sobra muito pouco para focar em outra. A gente simplesmente não tem combustível suficiente para tudo.
Quando eu aceitei esse fato, senti como se fosse uma libertação. Eu passei alguns anos e muitas sessões de análise discutindo como chegar no equilíbrio, como conseguir dar o foco necessário a cada área da minha vida - trabalho, casamento, família, amigos, saúde, cultura, estudo. Achando que esse equilíbrio era possível, e passando a maior parte do tempo #chateada porque sabia que estava milhas e milhas distante dele.
Depois de muito esforço de terapia, percebi que a vida tá muito mais para um eletrocardiograma, em que acontecem picos e baixas, do que para um mar calmo e estável, com ondas todas do mesmo tamanho. E que está tudo bem em um momento priorizar uma área em detrimento de outra. A gente sempre pode se reorientar, voltar e trazer o foco para área que foi renegada. A questão é a gente escolher. E saber escolher.
Passei quase 6 meses desse ano lidando com os efeitos de duas perdas gestacionais muito doloridas e ativando todos os recursos possíveis para lidar com essas dores (inclusive esse canal aqui). Ao mesmo tempo, quis o destino (e em certa medida, eu mesma) que eu enfrentasse também os desafios de uma mudança de carreira. Eu não me cobrei para correr para definir meu futuro profissional - e acho que isso já foi uma evolução, pois a Paola do passado teria uma ansiedade alta para "resolver" esse futuro e se exigiria resolver tudo rápido. Eu entendi que não dava conta de tudo ao mesmo tempo. Que não tinha combustível suficiente para tudo. Me respeitei e precisei ter paciência com o meu processo.
Agora, finalmente, estou me sentindo pronta e com energia para, de fato, repensar o meu caminho profissional, mas ainda assim sabendo que as definições não virão do dia para noite, até porque não estou buscando uma mudança trivial. Não é só achar um novo emprego, vai muito além disso. Então estou precisando me permitir ter tempo para redescobrir quem eu sou. Percebi que eu estava confusa e sem saber. Até porque, em toda a minha vida profissional, eu sempre tive um sobrenome que me identificava: Paola da Tramontina; Paola da Uber; Paola da Warren, etc. Talvez eu e a minha essência ficássemos inclusive escondidas por trás desses sobrenomes. Elas não tinham forças para sair. Chegou a hora disso mudar.
Como disse Anne Helen Petersen no seu um livro chamado "Não aguento mais não aguentar mais" (que eu recomendo muito, a propósito):
Muito do nosso cansaço e da sensação de que vivemos no limite também pode ser atribuída à ausência de separação entre o que somos e o que fazemos. O avanço tecnológico que iria nos libertar de cargas de trabalho exaustivas se tornou, na verdade, uma única e longa jornada que jamais se encerra, o que é particularmente esmagador para pessoas negras e mulheres.
Por anos eu senti muito isso. Essa exaustão da jornada infinita. De nunca poder se desconectar do trabalho, de ter muitas demandas pessoais e familiares ao mesmo tempo, de não dar conta e de ter mil coisas na cabeça sempre. Agora eu estou tendo o privilégio de não precisar aceitar essa realidade, mais. Quero fazer algo diferente profissionalmente, que ainda não tenho certeza do que é. Aliás, tenho mais certeza do que não é do que do que é. E graças a todos esses anos de trabalho duro acumulei reservas que me permitem ficar um tempo com uma renda menor, finalmente podendo desacelerar. Também tenho apoio do meu marido nesse processo - ele que por anos aguentou as altas doses de stress que eu enfrentava e me viu sofrendo muito nesse mercado de tecnologia.
Na minha carreira eu fui indo de oportunidade em oportunidade, conforme elas iam surgindo. Não precisei criá-las. Elas iam aparecendo e eu ia aproveitando, mas muitas vezes sem pensar tão profundamente sobre cada uma delas. Eu só seguia o fluxo. Isso pode ser bom, mas pode esconder coisas muito melhores que poderiam ser criadas de maneira mais propositiva.
Às vezes a gente caminha no caminho que está disponível. E esquece que também tem a opção de pegar uma pá, uma vassoura, uma enxada, limpar as ervas daninhas, abrir espaço e criar o seu próprio caminho. Eu por vezes esqueci isso. Mas não mais. Agora é o momento de criar o meu caminho.
Uma alternativa que surgiu nos últimos meses é trabalhar com consultoria. Em setembro comecei a dar consultoria para uma empresa que eu já conhecia e me relacionava bem com o CEO, um negócio digital, em que eu fechei um escopo para trabalhar em definições estratégicas e de produto. Pensar no que não está funcionando e no que pode funcionar no futuro. Ajudar eles a resolver problemas, algo que eu muito fiz como líder de marketing nas empresas que passei.
O projeto me parece estar indo bem e consumindo cerca de 10h da minha semana. Desde que começou já fiz pesquisa, conversei com usuários, entreguei diagnóstico e propus caminhos e soluções. É um teste, para mim e para eles. E estou percebendo que talvez esse seja um caminho profissional que eu vá explorar mais, a partir de agora - a consultoria tem me permitido entregar resultados, organizar meus horários e ter autonomia, algo que eu gosto e estava precisando muito. E é legal que eu consigo usar toda a minha experiência acumulada a serviço de outros negócios. Isso me dá um senso de propósito bem legal.
Também devo continuar dando aulas, algo que eu comecei a fazer em janeiro desse ano na escola The CMOs Marketers e que foi uma experiência muito legal. Dei aulas na formação de Heads de Marketing, focando principalmente no lado de liderança, gestão e processos, que eu domino bem. Foi uma experiência nova e tive um ótimo NPS (índice de satisfação) dos alunos. Compartilhar minhas experiências e aprendizados, e estruturar tudo isso em um formato digerível e de aula foi uma baita experiência. Ano que vem tem novas turmas que eu devo entrar como professora, e além disso talvez eu abra ainda mais esse leque para dar aulas em outros lugares. (e ps: se tiver alguém aí com interesse é só ficar ligado e se cadastrar aqui que vai ter um descontão agora na black friday. vocês podem assistir aulas gravadas minhas lá 🙂 ).
Outra alternativa forte é tirar do papel a velha ideia de empreender. Desde que eu queria sair da Tramontina eu pensava que queria ter meu próprio negócio, fazer algo por mim, com a minha marca. Todos os testes vocacionais que faço me indicam esse caminho. E eu sinto no meu coração que essa hora vai chegar, sim. Será que é agora?
A grande questão é que, apesar de ter algumas ideias bem iniciais, ainda tenho muito pouca noção de qual área em que eu gostaria de empreender. A verdade é que nos últimos 7 anos eu estive tão, tão envolvida no trabalho, que eu não tive tempo ou motivação para observar o que eu gosto de verdade. Eu sempre gostei do meu trabalho, de liderar pessoas, de resolver problemas, de pensar em marcas e marketing. Mas eu sei que eu não sou só isso. Não está claro para mim o que faz meu olho brilhar ou aquela atividade que eu não vejo o tempo passar (escrever tem sido um pouco disso). Eu muitas vezes não sei nem o que eu gosto.
Mas algumas coisas eu sei. Eu sei que sou criativa, por exemplo. E sei que muitas vezes deixei esse lado adormecido.
Capítulo 4 - O caminho do artista
Para conseguir trazer esse lado de volta, comecei a ler "O Caminho do Artista", um livro que é conhecido como a bíblia da criatividade. O livro na verdade é um programa de 12 semanas, em que cada uma você tem tarefas específicas. E ele tem como base a escrita, a partir das páginas matinais.
Todo dia de manhã a primeira coisa que eu faço é escrever 3 páginas à mão, em associação livre. A ideia é colocar no papel qualquer ansiedade ou angústia e com isso ficar com a mente liberada para pensar em outras coisas. Para criar. Já faz 24 dias que eu escrevo todo santo dia quando acordo. Nada desses textos aqui. Tem sido quase um diário, e eu normalmente escrevo sobre o que estou sentindo, pensando, refletindo, elaborando. "Descansando no papel", como fala a autora, Julia Cameron. E com isso, o dia tem começado de fato mais descansado. E mais leve.
Além disso, tem também o "encontro com o artista", que é um encontro semanal com você mesmo, de 1 a 2h, fazendo algo que você não está acostumado a fazer. Algo inspirador, que te ajude a despertar o seu artista interno. Esses encontros têm sido muito legais.
O melhor deles foi um passeio no jardim botânico de Porto Alegre, que é um oásis de natureza no meio da cidade, com flora e fauna riquíssimas... Eu moro a 10min de lá e demorei 7 anos para conhecer esse lugar lindo, Estava muito ocupada antes. Não priorizava esse tipo de momento. E foi lindo. Contemplativo. Conseguir prestar atenção em cada detalhe. Lembrei do meu amigo que se foi no final de setembro e gostava muito de lá. Honrei ele. Levei um livro de romance e fiquei lendo na grama. Me senti tão bem.
E ali lembrei de uma frase que anotei também do livro da Anne Helen Petersen:
A sobrevivência depende da sanidade, e a sanidade consiste em prestar atenção.
Por muito tempo eu vivi no automático, tentando corresponder às expectativas dos outros e não às minhas. Sem prestar atenção em muita coisa à minha volta. Sem prestar atenção suficiente em mim. Nas minhas vontades. E isso fez com que em muitos momentos eu de fato, estivesse muito pouco sã. Me sentia meio doida, sempre acelerada, desconectada de mim mesma. E não via alternativas de ser diferente. Que loucura é a gente estar em um lugar em que tem que batalhar pela sanidade, não é mesmo?




Também fiz uma aula de cerâmica, que foi o encontro da semana passada. Já tinha feito uma em setembro, e amado. As aulas duram 2h e eu fiquei totalmente imersa nelas. Senti quase como se fossem experiências de meditação. Não tive vontade de olhar o celular, de pensar em outras coisas. Fiquei 100% focada nas minhas mãos e onde elas levavam aquele material, gerando formas novas e desconhecidas para mim.




E estou all in na Feira do Livro de Porto Alegre. Quis o destino que eu estivesse fazendo esse programa na mesma época dos cerca de 20 dias da maior feira do livro da América Latina, que acontece na minha cidade. E a feira vai muito além da venda de livros, ela tem uma programação riquíssima e inspiradora de oficinas e palestras. Na semana passada, fui em uma mesa redonda com Itamar Vieira Jr (autor de Torto Arado) e Jefferson Tenório (autor de O avesso da Pele e Estela sem Deus) - todos esses livros citados eu já li e gostei muito. Era um dia de chuva, e o local estava lotado. Chegamos com 20min de antecedência e já não tinha mais lugar. Eu fiquei 1h em pé, na chuva, me molhando, para escutar dois grandes autores, que fazem parte da primavera literária brasileira e que tem publicado romances sensíveis e potentes, na maior parte das vezes com protagonistas não convencionais e não privilegiados. Eles são autores pretos e me trazem um novo olhar. Um olhar que interessa a mim e a muita gente, e ver aquele auditório lotado, com tanta gente, me energizou muito. Me senti pertencendo a aquilo ali. A aquela atmosfera de arte e cultura. Saí grata e inspirada. Quem sabe serei também uma artista?



Estou na quarta semana do programa, e tem sido bem interessante. Uma redescoberta, mesmo. E para marcar esse momento mais artístico, eu resolvi inclusive comprar um óculos novo, que eu achei que representava muito bem quem eu sou hoje e o que quero transmitir. Eu tinha me apaixonado pelo modelo quando vi na CasaCor (que foi outro momento bem artístico) cerca de 1 mês atrás. Fiquei algumas semanas pensando nele (quem nunca?) e voltei para comprar na primeira semana de Caminho do Artista, pois já tinha sentido que uma mudança estava acontecendo. Outras vezes eu já mudei o cabelo para marcar mudanças, dessas vez mudei os óculos mesmo 🙂.

Por último mas não menos importante, vale dizer que eu não descarto voltar para o mercado corporativo, talvez isso ainda aconteça. Mas caso eu volte, terá que ser para um lugar em que eu consiga ter autonomia para atuar e liderar como eu acredito. Em que as pessoas estejam em primeiro lugar. E que eu não precise simplesmente fazer o que meu chefe quer que eu faça, mas que possamos construir juntos e que eu possa manter a minha essência sempre viva. Que eu consiga estabelecer limites. E que o trabalho não seja mais um pico do meu eletrocardiograma.
Cansei de executar os sonhos dos outros. Está na hora de executar o meu sonho. Ele envolve ser mãe, mas envolve muito mais. Os sobrenomes que eu tinha, de quando trabalhava em cada uma das empresas que eu passei, de certa forma me protegiam. Mas me machucavam também. Agora eu só quero ser eu, em várias versões, em que o trabalho tenha sim um espaço mas não TODO o espaço.
2023 foi um ano duríssimo pra mim, e ele ainda não acabou. E que bom que não acabou. Minha missão no momento é usar esses cerca de dois meses que faltam para explorar e definir melhor minhas opções profissionais e construir um futuro mais humano para mim e para a minha família. Falei no texto anterior que sair da Tramontina para a Uber foi a segunda maior mudança profissional da minha vida. Acho que a que está acontecendo agora é a primeira. No curto prazo, seria muito mais fácil fazer entrevistas e entrar em uma próxima empresa, liderar um time de marketing. Mas no médio e longo prazo já percebi que esse caminho é mais difícil. Entender o que eu não quero e não só seguir procurando a próxima empresa para trabalhar tem me exigido muita coragem e ainda mais resiliência. Mais resiliência do que tive que ter ao trabalhar em empresas de tecnologia.
Repito porque é importante: muitas vezes a gente caminha no caminho que está disponível. Esquece que tem também a opção de criar o seu próprio. E é isso que eu estou tentando fazer. E você, tem caminhado em qual?
PS: eu sou afiliada da Amazon, um programa que dá uma comissão para as pessoas que divulgam links de produtos deles, caso alguém faça uma compra a partir daquele link. Já expliquei anteriormente mas explico de novo pra quem não viu. Se você tiver interesse em ler algum dos livros que indiquei, ficaria muito grata se acessasse o site clicando nos links a partir do meu texto. O preço para você será o mesmo, e eu ganho uns pilas… rsrs. Estou testando se essa pode ser uma forma de monetizar esse canal sem cobrar assinatura :). Seguem os links novamente:
Não aguento mais não aguentar mais - o melhor livro que fala sobre burnout que já li
O Caminho do Artista - a Bíblia da criatividade e um novo caminho de descobertas para mim
Torto Arado - romance de estreia do Itamar Vieira Jr que rendeu a ele um prêmio Jabuti
O avesso da Pele - outro que ganhou o prêmio Jabuti. Fala muito dos efeitos do racismo, de paternidade e de maternidade.
Estela sem Deus - um história de uma jovem mulher da periferia, da relação com a mãe e com religiosidade
Mais um texto sensível e de um assunto muito importante para todos amiga!! Que bom ver a tua trajetória e aprendizados com cada etapa. O equilíbrio entre o trabalho, a maternidade, a família, os amigos e nosso bem-estar, principalmente, é fundamental. Tento também buscar esse equilíbrio e abrir espaço para nosso próprio caminho. Que bom que estamos juntas nesses aprendizados e etapas da vida 💜
Nossa, me senti muito lendo minha história, Pá. E como é difícil trilhar um caminho novo! Quebrar padrões mentais e de conforto mesmo. Que inspirador te ler e acompanhar essa sua jornada abrindo trilha pelo mundo!