#25: Profissão: N/A
Estou aprendendo muito sobre o valor de ser e a me desvincular um pouco do valor de fazer.
É difícil ser quem a gente é e não o que gente faz, não é?
Toda vez que eu chego na pergunta "profissão" de qualquer formulário, eu travo.
Não é de hoje.
E olha que eu tenho duas formações acadêmicas: Relações Internacionais com ênfase em marketing e negócios internacionais, pela ESPM, e Ciências Econômicas, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Comecei uma um ano depois da outra, e quase morri ao tentar conciliar duas faculdades com o trabalho, principalmente a partir de 2011 (faz tempo rsrsrs), quando eu fui trabalhar na Tramontina no marketing internacional. Um trabalho que na época envolvia muitas viagens (que eu amava), mas que também acarretava em uma administração de faltas constante. Foi o início de uma vida workaholic, em que eu gostava muito do que fazia, mas que mal tinha tempo pra respirar fora do trabalho ou da faculdade.
Mas por que eu achei necessário fazer duas faculdades? Por um motivo simples: falta de confiança e auto-conhecimento.
Comecei Relações Internacionais primeiro. Adorei o curso. Só que logo senti que ele era muito generalista e que eu veria nele um monte de tudo e muito de nada. Senti que eu precisava aprofundar em algo, pois se não parecia que faltava algo (e mal sabia eu que o aspecto "generalista" seria o meu grande trunfo, mais tarde). Como sempre fui uma pessoa que gostava tanto de exatas quanto de humanas, ligada em muitas questões sócio-econômicas também, achei que o curso de Economia poderia me dar esse aprofundamento.
Ele me deu. Só que a muito custo - e aí eu tenho voltado constante em uma frase do filósofo Henry David Thoreau, que não é a primeira vez que aparece aqui:
"O custo de algo é o tanto de vida que você troca por ela".
Tá certo que eu era jovem e tinha muita energia, mas mesmo assim eu tive que fazer muitas renúncias pessoais para entregar essas duas graduações. E, como é do meu feitio, entreguei com louvor: em Relações Internacionais ganhei a láurea acadêmica e o prêmio de maior média do ano, no último ano, e em Economia eu ganhei o prêmio de segundo melhor TCC do ano pelo Conselho Regional de Economia.
E, afinal, com duas graduações, eu sigo sem "profissão"?
Sim. Relações Internacionais ainda é um curso novo e a profissão "internacionalista" ainda é pouco reconhecida. E como economista eu pouco me reconheço.
A verdade é que eu me encaixo em uma tendência que cada vez mais vemos, aquela de pessoas que não trabalham exatamente na sua área de formação original. Eu não me arrependo das minhas graduações, acho que elas foram fundamentais na minha jornada. A da ESPM em específico me trouxe uma base forte de marketing e negócios que eu muito usei na vida profissional. E acredito muito no estudo, em diversos formatos. Mas a minha jornada foi por outro caminho, agora.
Um caminho um tanto quanto múltiplo.
Por anos, minha identidade profissional ficou escondida por trás do meu sobrenome corporativo: Paola da Tramontina, Paola da Uber, Paola da Warren. Fiquei conhecida por essas assinaturas em diversos círculos, em diferentes momentos. Nessa época tudo era mais binário, e muito da minha identidade se confundia com a empresa em que eu trabalhava. E, sendo sincera, aquela identidade me trazia o seu conforto e também o seu status - ser convidada para eventos especiais, ser bem tratada onde quer que eu fosse, ser vista como alguém "de sucesso" (em uma definição clássica e normativa do mesmo). Isso sem falar nas benesses de um emprego CLT em geral muito bem pago.
Só que junto com o conforto da assinatura corporativa tinha o desconforto do esforço e da entrega sem limites. Eu era aquela legítima funcionária que veste a camisa. Eu me doava imensamente, e sobrava pouco espaço para outras coisas. Ser uma coisa só, extremamente intensa, demandava demais. E eu ficava com uma sensação amarga de estar construindo tanto para a empresa, e muito pouco para mim - e me encaixava em um grande grupo de executivos de marketing que não sabe ou não prioriza fazer seu próprio marketing pessoal.
E mesmo nesse período, eu não sabia responder minha profissão. O que eu era? Marketing manager? Líder de marketing? Diretora de Marketing? CMO? Esses títulos eram mais cargos que profissões, e eu ficava confusa desde então.
Como eu falei desde o texto de estreia dessa news, já há cerca de 2 anos eu vinha percebendo que me apoiar nesses sobrenomes corporativos, que muito me davam mas que também tanto de vida me custavam, já não fazia mais sentido. Depois que perdi minha segunda filha, isso ficou ainda mais gritante. Eu não podia mais continuar daquele jeito. Mas naquele momento eu tinha pouquíssima energia e disposição mental para fazer qualquer mudança.
Então, primeiro fiz um mini-sabático de abril a agosto de 2023, logo após meu segundo aborto. Eu realmente precisei dar um tempo. Não foi um sabático muito planejado nem intitulado, pois eu não sabia quanto tempo ia durar e naquele momento eu estava realmente apenas, sobrevivendo. E foi um grande privilégio poder parar, ficar sem renda, por 5 meses, e "só” viver o luto. Um privilégio conquistado pelo meu trabalho, mas também pela minha posição social, e que não é a realidade da grande maioria de mulheres que passam por perdas e situações como a minha. Tenho muita noção disso. Talvez por isso eu sentia que precisava, mesmo assim, fazer algo de "útil" com esse privilégio.
Dessa sensação e naquele intervalo foi que nasceu essa newsletter, que reabriu as portas da escrita para mim.
Ano passado eu fiz a oficina "Como publicar o seu primeiro livro" na feira do livro de Porto Alegre. Ali a facilitadora falou: "mesmo que vocês não tenham um livro publicado, vocês precisam se intitular escritores. Colocar isso lá na bio do Instagram. Afinal, se vocês não se reconhecerem como tal, quem irá?". Eu entendi, mas fiquei cética, talvez meio medrosa. Demorei uns 6 meses pra conseguir me livrar da síndrome da impostora e incluir esse título na minha bio.

(e se tu não me segue ainda, sinta-se super à vontade pra me acompanhar no https://www.instagram.com/paolazbehs, onde eu posto bastante do meu dia e reflexões)
Será que agora sou, então, escritora?
Em setembro de 23 comecei a trabalhar com consultoria.
Em dezembro aceitei um job de executiva as a service, e comecei a trabalhar part time como COO (Chief Operating Officer) da The CMOs Marketers, onde eu tenho a função de liderar as áreas de marketing, comercial, produto e comunidade, com cerca de 10 pessoas. Desde então, 20h da minha semana, todas as manhãs, são dedicadas a eles. Tem funcionado bem.
O plano era usar as outras 20h "usuais" de uma semana de trabalho para elaborar e testar outros caminhos profissionais.
A realidade é que logo em seguida eu descobri que estava grávida e não tive energia para nada disso. Para quem no auge no "workaholismo" trabalhava 50, 60h, por semana, entregar 20h, depois de uns meses parada e iniciando mais uma gravidez de risco, já era um desafio por si só. Eu precisava tirar longas sonecas à tarde e simplesmente não tinha energia para pensar em novos caminhos profissionais, algo que estava muito distante de ser trivial para alguém que queria se reinventar. Aceitei que o plano teria que ser adaptado.
Até que, em abril deste ano, já grávida e passado o temido primeiro trimestre, eu comecei a ficar mais inquieta e um tanto quanto ansiosa em relação à vida profissional. Percebi que minha filha nasceria em outubro e eu tinha 6 meses antes disso. 6 meses em que eu podia "render" e realmente explorar melhor uma nova eu. E apesar de nos meses anteriores eu ter aceitado que eu não iria conseguir focar muito nisso, entendendo também que a gestação era a maior prioridade, eu me senti sim, um pouco culpada e angustiada, pois eu ainda não sabia quais outros caminhos eu queria seguir. Me sentia estagnada. Eu fiz toda a experiência do Caminho do Artista, de outubro a janeiro, e não tinha conseguido evoluir muito depois disso (se não leu, leia meu relato sobre ela aqui - acho que esse é um dos meus textos preferidos dessa news).
Eu estava realmente perdida, ainda. E inquieta. Aí percebi também que talvez eu poderia usar de uma "inquietação direcionada" - dar passos para lidar com a ansiedade e assim sentir que eu estava evoluindo. Com mais intencionalidade, sabem?
E aí sim, consegui dar alguns passinhos. Comecei o processo de desenvolvimento da minha marca pessoal (um sonho antigo) e de uma marca oficial pra essa news (acho que ela merece, né?), que já comentei em textos anteriores. Desde então estou em um processo intenso de co-criação com o designer que contratei para fazer o job, o Alê Fontes, que tem, inclusive, me ensinado muito sobre processo criativo - vejam bem, no final eu vou "ganhar" uma marca e todo um aprendizado novo também!
Também me cadastrei em algumas plataformas de trabalho part-time / fractional (aquelas em que os profissionais podem ser contratados para jobs e projetos pontuais) e mentorias, a Chiefs Club e a E-mentor. Em questão de poucas semanas fechei 3 pacotes de mentorias, com base no meu networking, com mentorados que já me conheciam de experiências anteriores. Estou ajudando-os com questões como gestão de equipe, processos, trajetória e qualificação profissional e planejamento estratégico pessoal e corporativo. Tem sido MUITO legal (e aqui, fica um pequeno jabá: se por acaso você quiser virar meu mentorado, corra pois tenho mais algumas vagas apenas, para os próximos 2 meses pré-Felipa. Se quiser saber mais, acesse esse link aqui).
Com isso tudo (que inclusive falei mais detalhadamente sobre no texto #23: o tempo não é mais meu, é dela), eu me acalmei.
Senti que eu estava dando vários passos e tomando ações concretas na minha redefinição profissional, e isso tranquilizou a ariana agitada e meio neurótica que habita em mim.
Eu, grávida agora de 27 semanas / 7 meses, estou:
a) escrevendo essa newsletter quinzenalmente;
b) trabalhando como COO part time;
c) atendendo 3 pacotes de mentoria;
d) criando uma nova marca;
e) dando aulas na Formação Head de Marketing da The CMOs, mais uma atividade que eu adoro fazer.
E isso tudo fora toda a preparação para a chegada Felipa, que envolve todas as definições do quartinho, enxoval e do chá de bebê que acontece em breve. Ainda queria encaixar nisso tudo o projeto do meu livro, mas esse tá bem difícil e to aceitando que não sou mulher-maravilha e que ele talvez não caiba no tempo que tenho.
Apesar de eu ficar, às vezes, me sentindo um pouco sobrecarregada, o sentimento é diferente da sobrecarga da vida corporativa. Antes eu tinha um monte de coisa no prato, mas esse prato era todo direcionado para uma empresa só, para construção de uma marca PJ que não era minha. Só dava espaço pra eu ser uma, a Paola do lugar x. Sobrava pouquíssimo espaço pra Paola PF.
Agora, tudo é meu. Minha energia está melhor distribuída em várias frentes e sonhos. Eu não sou só a Paola da empresa x ou do trabalho. Eu sou várias Paolas. E tudo que eu faço é para mim e para os meus.
Mas eu não sou o que eu faço. Eu sou a Paola Z. Behs, e eu tenho várias versões.
Escritora? Mentora? Professora? Consultora? Mãe? Esposa? Amiga?
Acho que tudo isso. Tô descobrindo que ser múltipla é muito mais legal do que ser uma só. E que combina muito mais comigo - pelo menos nesse momento.
Não sei se um dia responder a pergunta da profissão ficará mais fácil. Suspeito que não. Talvez eu tenha que responder N/A nesses formulários para sempre e azar.
Estou aprendendo muito sobre o valor de ser e a me desvincular um pouco do valor de fazer.
Eu acabei fazendo duas faculdades por insegurança.
Nessa trajetória toda, eu aprendi que a confiança em si mesma precisa ser conquistada. E ela é conquistada às custas de muito autoconhecimento e de uma abertura e curiosidade pelo aprendizado.
Hoje tenho orgulho de ser múltipla e também de ser generalista. Não tenho vergonha de dizer que eu não sei, quando não sei, ou de não ser especialista em uma área do marketing, por exemplo.
Hoje eu não faria duas faculdades. Mas talvez eu tenha tido que fazer pra aprender.
Uns dois ou três anos atrás eu li um livro que reforçou completamente essa percepção: "Por que os generalistas vencem em um mundo de especialistas", que traz um certo contraponto a um bestseller, o "Fora de série: Outliers", que fala muito de especialização. O livro basicamente defende a importância de termos um repertório vasto, que nos ajuda a resolver problemas complexos com muito mais assertividade, pois temos toda uma caixa de ferramentas construída com base em estudo e experiência prática.
Ele traz um estudo que mostra que pessoas que estudaram em carreiras mais específicas e técnicas tiveram mais facilidade de encontrar emprego logo após a formatura e ganharam maiores salários do que as pessoas mais generalistas. Só que ao longo do tempo, essa balança se inverte: no longo prazo, pessoas que receberam uma educação mais generalista estavam melhor posicionados para circular em um mundo em constante mudança, em que o trabalho que faremos no ano que vem pode ser muito diferente do trabalho que fazemos hoje, pois tudo muda tão rápido. Na medida que o mundo fica cada vez mais complexo, em que precisamos cada vez mais analisar e entender a "big picture", mais o lado humano e generalista tende a agregar.
O livro plantou a semente de como eu me enxergo hoje, profissionalmente, e me ajudou a me entender melhor, junto com muitas sessões de análise, feedbacks de colegas e amigos e diversas outras ferramentas de autoconhecimento.
Desapeguei de querer saber muito de alguma coisa.
Hoje, busco ser o mais diversa possível. Ler de tudo. Escutar de tudo. Consumir de tudo. Um pouco de tudo.
Ao longo do tempo, os adultos se tornam mais consistentes, mas também menos curiosos e com a mente menos aberta e inovadora. Estou tentando lutar contra isso.
No último ano, tanto mudou, desde aquele mini-sabático. E cada vez mais eu vejo como cada passo dado ontem construiu o meu hoje. E que estar aberta à mudança foi fundamental e é o caminho para o meu futuro.
A gente não para de se tornar quem a gente é. A gente tá sempre se tornando. Com base em quem a gente foi e quem a gente quer ser.
Minha nova marca deve traduzir tudo isso.
Mas confesso que eu ainda não estou 100% bem resolvida em relação a quem eu sou hoje. Será que preciso estar? Talvez a gente esteja sempre mesmo em reforma ou em construção. E que esteja aí a graça da vida.
O processo de descobrimento.
E o o entendimento de que processo é progresso.
Eu estou evoluindo bem no processo de desenvolvimento da nova marca e novo nome dessa newsletter. E parte dele depende de eu me definir melhor. Já fiz muitos brainstormings para exercitar um pouco disso. Mas ainda não cheguei lá.



Então, queria finalizar esse texto pedindo uma ajudinha pra vocês: por favor escrevam nos comentários 3 palavras que vêm à mente quando vocês pensam em mim? Só isso. As 3 primeiras palavrinhas. Espontaneamente. Boas ou ruins. Eu aguento rsrs.
As respostas de vocês vão ajudar muito na construção e na reforma por aqui.
Posso contar com vocês?
Prometo que em breve eu volto com mais atualizações dos passos do meu processo e do meu progresso. E com certeza eu conto se um dia minha profissão deixar de ser N/A.
Um beijo,
Só eu, Paola Z. Behs.
Paola, só te conheço pelos textos e pequenas interações no Clube do Livro, então, fica dificil escolher 3 palavras. Mas, estou gostando de acompanhar tua trajetória e já identifico muita CORAGEM e SINCERIDADE em tuas palavras. Acredita que eu escrevi um livro independente ano passado e, mesmo assim, não consigo me entitular escritora? Pois é ... as vezes digo, não sou uma escritora, sou uma leitora que escreveu um livro. Olha que o teu texto hoje já plantou uma boa semente por aqui ... #keepgoing
Organizada, dedicada, líder 🤍. Sempre ótimas reflexões, muito orgulho.