#31: Acho que venci o puerpério
A expansão é rápida, inevitável e necessária para que aquele novo serzinho caiba no espaço. Tanto na gestação como aqui fora.
Segundo o Google:
“O puerpério, ou pós-parto, é o período de recuperação do corpo da mulher após o nascimento do bebê e dura, em média, de 45 a 60 dias. No entanto, a duração pode variar, dependendo de alguns fatores, como a amamentação e a presença de complicações:
Mães que amamentam podem ter sintomas mais duradouros por mais de 6 meses.
Em caso de cesárea ou complicações, o período de descanso pode ser maior”
Escrevo esse texto 51 dias* pós parto. E mesmo com a presença dos dois pontos acima, e ainda que o Google considere apenas a recuperação do “corpo" (e nós mulheres sabemos que as questões vão muito além dele), acho que já posso dizer que eu venci o puerpério.
Os primeiros 30 dias foram, definitivamente, mais difíceis. Nos últimos 20, sinto que as coisas estão aos poucos estabilizando.
Eu não me surpreendi com a intensidade da demanda de cuidado de um recém nascido.
Ter feito parte da rede de apoio e acompanhar minha irmã com meus dois sobrinhos, Inácio, de 3 anos, e Miguel, de 10 meses, me fez ver muito de perto o tamanho da dedicação e da entrega de uma mãe recém parida: amamentação a maior parte do dia, privação de sono, comida majoritariamente fria, infinitas roupinhas sujas, bagunça pela casa toda e pouquíssimos momentos de auto-cuidado. É tudo pelo bebê e muito, muito pouco por nós.
É tudo pelo bebê e muito, muito pouco por nós.
É muito difícil. E eu sabia disso. Mas ao mesmo tempo, penso que eu não sabia. É a legítima coisa que só vivendo na pele a gente entende.
O puerpério foi a maior entrega da minha vida. Nada se compara.
Acho que estar, na medida do possível, ciente do que viria, sob um aspecto prático (amamentação, sonecas, trocas de fralda, recuperação pós cesárea), fez muita diferença pra eu não sofrer aquele baque inicial, mas eu logo percebi que muito mais que no aspecto prático existe uma intensidade enorme no aspecto subjetivo, aquele que faz com que esse período seja totalmente único e particular para cada dupla de mãe e bebê.
Para mim especificamente, ser mãe de anjo apresentou suas complexidades: por eu ter lutado tanto para minha filha estar aqui, reclamar de qualquer coisa, apesar de às vezes inevitável e necessário, é difícil. Sinto como se estivesse sendo ingrata. Muitas vezes no meu processo de busca da maternidade, ao escutar mães se queixando, por exemplo, de noites sem dormir, eu pensava “tudo que eu queria era ter justamente essas noites". Só que eu não tinha vivido elas ainda. Nem o puerpério.
E vivendo ele e conversando muito com amigas mães, eu aprendi que cada mãe tem a sua experiência, sente ela de maneira muito única e particular, no seu corpo e na sua mente (registre, Google, não é só no corpo), e tem total direito de manifestar o que quiser sobre.
Cada mãe é uma; cada bebê é um; cada dupla mãe e bebê é uma.
Inclusive, isso vai além do puerpério - acredito que se aplique a toda a experiência de maternidade. Por isso, aproveito esse ponto para trazer um disclaimer: esse texto é única e exclusivamente sobre a minha experiência e não pretende retratar de maneira coletiva essa experiência tão importante e individual.
No meu universo particular, dois pontos foram os principais desafios no puerpério: a amamentação e a adaptação a essa nova vida.
Escrevi esse texto originalmente falando desses dois pontos, mas ele ficou super complexo justamente pela complexidade que a amamentação apresenta. Por isso, esse assunto vai ganhar um texto à parte, o próximo, provavelmente na semana que vem. Aguardem :)
Por enquanto, quero falar especificamente da nova vida que nasceu. A da Felipa e a nossa.
Na alta do hospital, nossa obstetra, Dra Tiane, nos falou algo que virou um mantra por aqui: a Felipa é nosso manual. Nós precisamos aprender a ler o manual. Ela que vai nos dizer o que precisa.
Eu e o Thiago estamos bem cansados. Aprender a ler o manual demora. Desgasta. Por mais que seja o manual do “produto" que mais sonhamos em ter na vida.
Logo percebemos que pecamos ao não nos estruturarmos melhor, previamente, para esse momento. Partimos do pressuposto de que primeiro teríamos que conhecer a Felipa para aí entender as necessidades e pensar como nossa família se adaptaria a isso. O que não sabíamos é que estaríamos tão cansados e sem energia até para pensar nisso.
Nós assumimos o cuidado praticamente sozinhos. Nenhuma avó ou avô mora em Porto Alegre, não temos uma rede de apoio tão próxima e presente - mas preciso reconhecer que meus pais, que moram em Três Coroas, a cerca de 100km de nós, e ainda trabalham e têm uma vida super ativa, fizeram o máximo para nos ajudar, principalmente nos primeiros finais de semana e minha mãe em alguns outros dias. Eles vieram, fizeram comida (os bifes do meu pai em alguns sábados ao meio dia foram highlights desse período rsrs), minha mãe lavou muita louça, muita roupinha da Pipa e fez ela dormir várias vezes, uma das suas especialidades. A ajuda deles foi uma salvação e um respiro em vários momentos, mas não foi constante nem suficiente.
Falhamos ao, considerando nosso cenário, não organizarmos uma rede de apoio paga, que temos o privilégio de poder pagar, ainda que com grande esforço (até porque nesse momento eu estou sem renda já que vinha trabalhando como autônoma). Ficamos apenas com a mesma faxineira que já vinha uma vez por semana. E isso faz com que a casa fique arrumada por um ou dois dias e no resto fique bastante caótica, o que é difícil para nós que costumávamos ser super organizados. A bagunça na casa potencializa a bagunça dentro da gente.
A bagunça na casa potencializa a bagunça dentro da gente.
O Thiago conseguiu trabalhar de casa nas primeiras semanas, e até agora ainda procura passar alguns turnos por aqui para me apoiar e quando sai chega mais cedo do que normalmente chegava - ele que cozinha, faz mercado e tenta manter a casa minimamente funcional. Ele também é um pai muito presente e procura brincar com a Pipa sempre que possível e fazer tudo que pode por ela - faz sonecas, troca fralda, coloca no sling, dá banho, que é responsabilidade exclusiva dele, além de ser um marido bastante empático, que compreende o tamanho da minha entrega principalmente na amamentação. Por aqui, dentro do possível, a divisão do cuidado é bem igualitária, e sei que isso é raro por aí.
Mas a verdade é que, na maior parte do tempo, eu e a Felipa seguimos sozinhas sendo a dupla que surgiu lá na barriga, sem definição de onde uma termina e onde a outra começa.
A exterogestação está à toda por aqui, fazendo com que a gente passe o tempo todo em simbiose. Os dias passam em um looping. Amamento em livre demanda, e ela costuma pedir pra mamar mais ou menos a cada 3h. As mamadas são longas, de 45 min à 1h. A janela dela acordada é de cerca de 1h30 e ela tem tido dificuldade para dormir durante o dia, o que faz com que eu passe a maior parte do tempo que não é na mamada tentando fazer ela dormir, embalando ou dando colo. Apenas nos últimos dias consegui colocar ela no berço em alguns momentos, por cerca de 30min. O sling tem sido uma salvação - quando quero que ela durma rápido, coloco ela nele e parece um sonífero. Dizem que no sling os bebês sentem a pele e o som do coração e isso ajuda a tranquiliza-los. Por aqui funciona muito mesmo e é um dos itens que mais recomendo para as mamães incluírem no enxoval.
Ela dorme, acorda, troco fralda, às vezes, nem sempre, sobra uns minutinhos para conversarmos ou brincarmos um pouco e já é hora de mamar de novo. Optamos por não dar mamadeira ainda, então ela só mama no peito mesmo. O ciclo vai se repetindo e é totalmente dependente de mim.
Eu não estou achando isso ruim. Acho bem especial, na verdade. Saber o quanto eu sou importante para a Pipa me faz sentir importante. Ela me faz importante. Ela me faz mãe. E eu faço dela filha. Nós duas nos construímos subjetivamente como sujeitos.
Ainda assim, é extremamente cansativo e fica muito claro como com essa entrega toda, outras coisas faltam. A doação total ao bebê nesse início faz com que todo o resto - minha individualidade, meu casamento, meu trabalho e todas as outras pessoas na minha vida, sejam secundários.
Sinto falta dos meus momentos: da terapia semanal (em 2 meses, consegui fazer só duas sessões), dos exercícios físicos, das idas ao centro espírita, dos encontros com amigas, dos cochilos depois do almoço, das noites de sono ininterruptas, de fazer as unhas e uma escova no cabelo, de tomar um café quente e com calma, de poder sentar e escrever o tempo que eu quiser. Praticamente não poder ter esses momentos faz com que abastecer o meu tanque de combustível, repor a minha energia, que está tão em falta, seja ainda mais difícil.
Sinto falta também dos momentos de casal, de jantarmos com calma e juntos, de assistirmos uma série no sofá antes de dormir, de treinarmos juntos, de planejarmos viagens, de ficarmos apenas na companhia um do outro, sem grandes compromissos. Não termos esses momentos e sermos dois adultos permanentemente cansados faz com que discussões bobas aconteçam e que aquela sintonia que tínhamos às vezes suma. O puerpério me parece um grande desafio para qualquer casamento.
Tem dias que a casa fica um caos. Que eu fico um caos. Que a Felipa não dorme nada ou só quer colo. Que eu não tiro o pijama nem lavo o rosto. Que só como comida fria e em horários alternativos. Que eu planejava lavar roupa, arrumar a casa, escrever, ler, e nada disso pode acontecer pois a demanda dela é prioridade e maior que tudo isso. Que o cabelo está sujo e não dá tempo de lavar. Que eu não consigo nem conversar ou interagir com ela pois estou exausta. Dias que tenho dificuldade de me reconhecer, que me sinto derrotada, uma péssima mãe e que o caos reina.
Mas, ainda bem, tem dias que eu acordo de manhã disposta, normalmente após noites em que ela dorme bem e acorda uma vez só, que felizmente estão se tornando mais comuns (e nesse ponto sei que ela anda mandando bem, já que muitos bebês da mesma idade acordam muito mais). Consigo minimamente me ajeitar, arrumar os cabelos (às vezes até estar com ele limpo e solto, vejam só rsrs), fazer skincare, colocar uma roupa limpa, comer comida fresca e quente em horários razoáveis. Dias em que ela faz boas sonecas e até dorme no berço e que sobra um tempinho pra mim. Recentemente consegui até começar a me exercitar devagarinho, indo na esteira do prédio enquanto o Thiago fica com ela. Dias em que me sinto eu, que me sinto realizada, uma ótima mãe e que a paz reina.
Há poucas semanas esses dias de paz eram raros, aconteciam 1 ou 2 vezes na semana.
Agora, eles estão se tornando mais frequentes, acho que talvez metade deles já sejam assim.









Nos dias difíceis, eu em geral me sinto exaurida como nunca me senti antes. Às vezes falta energia até pra comer - vocês já estiveram tão cansados que, mesmo com fome, mastigar parece muito esforço? Pois é, eu sim. Nesses momentos eu acho que não vou aguentar. Mas aí me apego no simples mantra do vai passar. E sei que vou sentir saudade de ter ela pequenininha no meu colo, de mamar tanto, de sermos tanto, só e apenas, nós. Essa unidade me faz feliz. Tento aproveitar esse agora, por mais que ele seja tão cansativo, sem ficar esperando chegar em um futuro que com certeza apresentará outros desafios.
Sei que vou sentir saudade de ter ela pequenininha no meu colo, de mamar tanto, de sermos tanto, só e apenas, nós. Essa unidade me faz feliz.
Nos dias bons, eu fico, acho que obviamente, ainda mais feliz. Animada por tudo que temos pela frente na nossa vida em trio. Confiante e otimista, achando que eu sou uma boa mãe, que vou dar conta e que minha bebê vai receber tudo que precisa.
Nas últimas semanas, ela começou a sorrir.
Quando ela abre aquele sorriso banguela, esqueço qualquer problema e entendo que foi por esse sorriso que eu tanto lutei nos últimos 2 anos.
Eu não tive baby blues ou grandes tristezas no puerpério. Eu tive alguns choros de cansaço, momentos de exaustão e fiquei estressada e confusa com a nossa nova vida.
A confusão agora já diminuiu. Estamos atrás de uma pessoa para nos ajudar aqui em casa e aos poucos nossa rotina está ficando mais previsível.
Eu já consegui sair duas vezes por períodos mais longos (cerca de 3h, o intervalo das mamadas), em que o Thiago ficou com ela: fui ao aniversário da minha prima e em um encontro do clube do livro que eu participo. Em ambas as vezes sair foi MUITO difícil. Senti como se eu fosse uma adolescente fugindo de casa, fazendo algo errado, ou como se eu tivesse deixado um pedaço de mim pra trás. Na última vez, lágrimas chegaram a cair. Eu queria ir mas queria ficar. Aí lembrei que eu programei as saídas e não desisti, mesmo quando chegou na hora e eu achei difícil ir. Entendi que esses movimentos eram importantes, pra mim e pra ela. Em ambos os casos, voltei cheia de saudade e ainda mais amor.
Sei que os efeitos hormonais de uma gestação podem se estender por até dois anos pós parto, período em que a bagunça ainda reina na vida das mães.
Ainda assim, acho que venci a primeira fase, que me parece a mais difícil de todas: o puerpério.
E essa vitória também tem muito a ver com a melhora na amamentação. Eu já amamento tranquila e sem dor, depois de ter visto muitas estrelinhas toda vez que a Pipa encostava nos meus mamilos e de parecer que meus seios iam explodir de tanto leite. Mas isso é assunto pro próximo texto.
Acho que já aprendemos a ler boa parte do manual. A Pipa em geral é calma e tem tido paciência com os processos e amadorismos desses pais de primeira viagem. Agora já entendemos os choros e a maioria das necessidades. Já nos sentimos confiantes que sabemos o que fazer com o nosso “produto". Só não podemos esquecer que esse manual será constante e frequentemente atualizado, sem aviso prévio, e que precisamos estar atentos para perceber quando isso acontecer. Acho que agora ficamos mais espertos para isso.
Assim como a Pipa nasceu dia 06/10, eu também nasci. Nossa família nasceu. E nascer dói. E requer adaptação.
Eu não sou mais a mesma. Nunca serei. Eu e o Thiago como casal não somos mais os mesmos. Nunca seremos. Nossas antigas versões morreram.
E isso tudo é um luto que atravessamos nesta jornada do puerpério, e mesmo com toda a minha luta pela chegada da Felipa, aceitar o luto do meu eu que morreu e abraçar o meu eu que nasceu não é simples. Entender que, quanto mais a gente quiser manter os hábitos antigos e quanto mais se apegar às nossas versões anteriores, querendo voltar a elas, mais difícil será acolher as novas.
Refletindo sobre tudo isso esses dias, me lembrei que a Felipa não nasceu de uma falta. Ela não chegou para preencher um vazio. Não havia vazio. Havia espaço, mas ainda assim, ele era limitado.
Percebi que ela chegou para expandir os limites desse espaço, e essa expansão por vezes dói e deixa marcas, assim como as estrias que ficaram na minha barriga. A expansão é rápida, inevitável e necessária para que aquele novo serzinho caiba no espaço. Tanto na gestação como aqui fora.
Percebi que expandir é muito melhor que retrair, por mais que haja marcas e cicatrizes dessa expansão. Mas é aquilo que dizem né: é justo que muito custe o que muito vale, não é?
É justo. Minha filha vale mais que tudo.
*Com a minha nova realidade, esse foi o texto que mais demorei para finalizar - foram cerca de 2 semanas no processo para algo que antes levava 2 dias. Adaptações 🙂. Eu não quero parar de escrever. Pode demorar, pode demandar mais, mas quero muito que os textos sigam saindo.
Mas, agora mais do que nunca, peço a você, que leu até aqui, uma pequena ajuda: se gostou desse texto, se ele te fez pensar, me ajuda engajando com ele? É tão simples me dar um like e clicar no coração, sabe? ❤️ . Eu vou ficar tão feliz em saber que ressoou por aí! E se quiser me contar a tua opinião em comentários ou compartilhar esse texto nas suas redes eu ficarei ainda mais. Não me deixe refletindo sozinha ☺️.
Nos vemos no próximo texto - que espero que não demore tanto e que possa ser escrito em um dos dias bons :)
E se tu perdeu o relato de parto, confira aqui:
#30: Relato de parto do meu arco-íris
"Então, filha, queria te dizer que, se tu estiveres pronta, a mamãe e o papai também estão. Quem sabe tu poderias vir amanhã, em uma manhã de domingo, como diz aquela música famosa, Anunciação, que inclusive a mamãe usou ontem, em um vídeo de retrospectiva da gestação que eu postei.
Mais do que comentar o texto, tenho o privilégio de poder comentar a alegria de ver o semblante cansado mas sereno de um casal que tomou uma decisão conjunta e alinhada, e isso já se reflete em uma menininha tranquila e risonha! 🩷
Viva à Pipa! ❤️