#37: Aceito ganhar menos, se minha filha ganhar mais
A boa notícia? O problema não é você; é o sistema. A má notícia: o problema não é você. É o sistema.
Já estava no meu planejamento há meses. No dia 08 de março eu lançaria um texto de dia da mulher trazendo reflexões de um livro que li em janeiro e que mexeu muito comigo. Esse aqui: Carreira e família: A jornada de gerações de mulheres rumo à equidade, da Claudia Goldin, professora de Harvard e a primeira mulher a receber sozinha o Nobel de economia, premiada por seus estudos envolvendo a participação das mulheres no mercado de trabalho e a disparidade de gênero.
No entanto, justamente a minha atual função na economia do cuidado, do trabalho doméstico, de mãe, acabou afetando esse planejamento, além da minha necessidade de mãe e de mulher de descansar e relaxar um pouco no carnaval (eu poderia ter adiantado mais a escrita, mas a verdade é que nem abri o computador e foi bem bom). No dia 7, que eu tinha “reservado” para escrever, eu estava super cansada - na madrugada anterior tínhamos ido ao hospital receber mais um bebê arco-íris de uma grande amiga, faltou luz quase o dia todo em uma Porto Alegre 40 graus e fazer dormir uma bebê que ainda é acostumada a tirar sonecas com charutinho se tornou missão impossível. O cansaço e o calor me dominaram e meu atual papel principal, o de mãe, assumiu a sua prioridade, como sempre, desde outubro de 2024.
Mas, como uma perfeccionista em recuperação, venho aprendendo que o bom não é inimigo do ótimo, e que o que mais importa é a execução e não o planejamento. Assim, eu não podia deixar passar essa data em branco sem falar sobre ela. O mês é da mulher, afinal. E acho que dia 11 segue tão bom quanto o dia 8 para isso. :)
Além disso, eu precisava escrever sobre principalmente porque esse ano essa data bateu diferente por aqui…
Ano passado eu estava desiludida. Já grávida, mas ainda sem saber que seria uma menina. Sem saber, mas desejando que no meu ventre eu carregasse uma mulher, ainda que jamais falasse isso em voz alta. Na data, eu postei isso aqui:


Já há uns bons anos eu vinha lutando por mais equidade entre mulheres e homens, principalmente no mercado de trabalho. E, há 2 anos, eu tinha decidido sair do mercado corporativo porque me pareceu muito difícil conciliar a maternidade com ele, principalmente devido a a) o tipo de mãe que eu queria ser: presente, dedicada, disposta, cuidadosa e b) os traumas que eu fiquei após passar pela minha primeira perda gestacional ainda no mercado e ter tido pouco acolhimento sobre.
Nos quase 15 anos em que estive focada na carreira, com jornadas de 10/12h de trabalho diário, sobrava muito pouco espaço para qualquer outra coisa, e minha saúde e bem estar ficaram constantemente em segundo plano. Não tenho dúvidas, inclusive, que meu foco no trabalho e a quantidade de horas investidas nele, fez com que eu crescesse rápido na escala corporativa e chegasse a cargos de diretoria ainda relativamente jovem, no início dos 30 anos. Pela intensidade que já vivi no mercado, quando decidi buscar a maternidade, eu entendi que seria muito difícil sustentar os meus resultados e performance ao mesmo tempo em que me tornava mãe. E que uma escolha precisaria ser feita.
Também comecei a perceber que a coisa era mais profunda do que trabalho e ia além dele, e que ainda estávamos muito, muito longe de uma situação mais justa. Estava amadurecendo e entendendo que a complexidade era muito maior do que, por exemplo, uma lei que exige remuneração igual para cargos iguais, independente de gênero (ainda que reconheça que obviamente esse é um passo essencial). Eu sentia que seria preciso muito mais. Só que o caminho ainda era nebuloso.
Ao ler esse livro, o caminho ficou um pouco mais claro.
Ao ter a Felipa, a motivação se tornou mais forte para percorrê-lo.
Carreira e família: A jornada de gerações de mulheres rumo à equidade
O livro não é leve, não é simples, não é fácil. Como não é essa discussão. Nele, Claudia Goldin apresenta a pesquisa que a levou a ganhar o Nobel. Ela analisou a trajetória de mulheres graduadas na faculdade nos Estados Unidos por mais de um século (e, vale dizer, a pesquisa carrega obviamente as limitações do grupo escolhido e reflete muito uma realidade norte-americana e privilegiada, mas ainda assim é super válida e funciona para muitas reflexões). Nessa análise, ela dividiu essas mulheres em 5 grupos de acordo com as suas prioridades e sua época:
Grupo 1 - Carreira ou Família
- nascidas entre 1878 e 1897 e formadas entre 1900 e 1920: no início dos anos 1900, as mulheres graduadas em geral tinham que decidir entre ou seguir uma carreira ou constituir uma família. As mulheres que estudavam para ter uma carreira eram vistas pela sociedade como restritas a este papel, e conciliar os dois era quase inimaginável.Grupo 2 - Emprego e depois Família
- nascidas entre 1898 e 1923 e formadas entre 1920 e 1945: depois da crise de 1929, muitas mulheres acabaram precisando entrar no mercado de trabalho. Em geral elas faziam isso primeiro, priorizando a necessidade financeira, para depois pensar nos filhos. As remunerações começaram a aumentar devido a maior necessidade de empregos de colarinho branco, aumentando consequentemente o interesse delas.Grupo 3 - Família e depois Emprego
- nascidas entre 1924 e 1943 e formadas entre 1946 e 1965: neste grupo as mulheres tiveram muitos filhos e os priorizaram, principalmente no grupo Baby Boom, das mães do pós guerra. A maioria das mulheres do grupo estudavam, depois casavam e tinham filhos cedo; e ingressavam no mercado após eles passarem pela primeira infância e começarem o colégio, muito por limitações de assistência infantil. Para elas, mesmo que não fossem seguir carreira imediata, um diploma de faculdade, e muitas vezes um certificado de magistério, era uma apólice de seguros contra o fim prematuro de um marido ou de um casamento.Grupo 4 - Carreira e depois Família -
nascidas entre 1944 e 1957 e formadas entre meados de 1960 e fim de 1970: as filhas das mães do grupo 3 perceberam as enormes concessões feitas por suas mães, e não quiseram fazer o mesmo. Tiveram o caminho facilitado pela emergência da pílula nos anos 70, e foram as primeiras a procurar primeiro estabelecer uma carreira para depois pensar na família. Elas puderam ter carreiras que exigiam grandes investimentos de tempo e dinheiro, como o direito, a medicina, a academia, as finanças e a administração. O feminismo estava cada vez mais em pauta e lhes deu a vontade de trabalhar, e a contracepção eficaz lhes deu a capacidade de trabalhar. No entanto, elas foram as mulheres que começaram também a perceber o custo de ter filhos mais tarde, com as dificuldades aumentadas de concepção após os 35 anos, que recém começavam a ser estudadas pela ciência na época.Grupo 5 - Carreira e Família
- nascidas desde 1958 e formadas a partir dos anos 80: este foi o primeiro grupo a considerar que talvez poderiam ter tudo, e talvez ao mesmo tempo, em alguns casos. Métodos de reprodução assistida começaram a facilitar esse processo, e fizeram com que as mulheres adiassem cada vez mais casamento e filhos, mas quisessem muito os ter e buscavam manter a carreira enquanto isso. Mas, mesmo aqui, a equidade ainda fica longe de acontecer.
Dentre esses grupos, vale distinguir dois conceitos principais usados pela autora:
→ Uma carreira exige atenção integral — para construir e para avançar. Senão, não é uma carreira, é um emprego. Grupos 2 e 3 tinham, principalmente, empregos, ocupações, enquanto grupos 4 e 5 já olhavam para carreiras com visão de longo prazo. O grupo 1 havia sido pioneiro nesta definição também, ainda que com uma escolha mais binária entre um ou outro, carreira ou família.
→ Família, pela autora, é definida por um casal com filhos, excluindo, neste estudo, casais sem filhos ou mães e pais solo - um conceito que por muitos (inclusive por mim) já é visto de maneira diferente atualmente.
Ao longo de suas páginas, a autora vai discorrendo sobre as evoluções e mudanças de um grupo para o outro, mostrando como, em geral, cada grupo pavimentou o caminho de uma evolução para o próximo. Para mim, foi incrível entender com dados como cada um desses grupos enxergava a carreira (ou emprego) e a maternidade, e como houve sim uma melhora em relação a como as mulheres poderiam conciliá-las. Ver como a pílula, e depois os métodos de reprodução assistida, foram cruciais nessas melhorias, me faz ter esperança e imaginar que outras evoluções tecnológicas poderiam ajudar as mulheres nesse processo, principalmente as que desejam ter filhos mais tarde.
Eu e muitas das minhas amigas optamos por primeiro consolidar uma carreira para depois pensarmos em filhos, e eu acredito que isso possa sim ter impactado nas minhas gestações, tanto pela idade quanto pelos anos de acúmulo de estresse no mercado corporativo. Acompanhei muitas mulheres próximas passando por situações semelhantes com dificuldades ou de engravidar ou também tendo perdas, possivelmente pelos mesmos motivos. Muito discutimos sobre como a conta de carreiras em ascensão e filhos, tudo na mesma janela temporal, era difícil de fechar.
O estudo mostra que cada um dos 5 grupos recebeu o bastão do anterior e percorreu mais um trecho da estrada, saltando obstáculos e tentando contornar as barreiras que surgiam de acordo com a economia e a sociedade da sua época. E cada geração se viu diante de muitos avanços tecnológicos, tanto em relação à vida doméstica quanto à reprodução, que suavizaram a rota em frente.
No entanto, o caminho ainda é longo e pedregoso, e nem sempre os dados refletem crenças populares. Considerando uma das principais questões, a disparidade salarial, a autora demonstra que apenas cerca de dez anos depois da graduação na faculdade é que se percebem grandes divergências no pagamento entre homens e mulheres.
Nos primeiros anos de emprego, o hiato salarial é pequeno para os recém-graduados e os recentes detentores de um mestrado, por exemplo, e se explica amplamente por diferenças entre as áreas de estudo. Homens e mulheres partem quase que em pé de igualdade - acredito que eu mesma, por exemplo, vivi isso, com meus colegas de faculdade. Não acho que no início da carreira eu tenha sofrido grandes injustiças por ser mulher no mercado de trabalho. Agora, 13 anos depois de formada, eu acredito que sim, as sofro intensamente.
O hiato começa a aumentar tipicamente — e isso não é de surpreender — um ou dois anos depois do nascimento de uma criança e quase sempre acarreta em um efeito negativo na carreira das mulheres.
E aí entra um conceito fundamental do livro: o trabalho ganancioso.
O trabalho ganancioso é aquele que paga mais quando é feito quando a empresa precisa, e não quando há um combinado de horas pré-definidas. A pessoa que faz horas adicionais e trabalha também nos fins de semana ou à noite receberá muito mais — tão mais que, mesmo por hora de trabalho, estará recebendo mais. Basicamente, aquelas pessoas que têm uma disponibilidade quase infinita e são reconhecidas por “vestir a camiseta da firma", são as que recebem mais, e não de maneira proporcional.
Para maximizar a renda potencial da família, um parceiro se dedica ao trabalho que consome bastante tempo, enquanto o outro faz sacrifícios de carreira para assumir o trabalho em casa que, obviamente, também consome muito tempo. Independente do gênero, este segundo receberá menos por hora.
Segundo Claudia Goldin, “um dos cônjuges estará de prontidão para atender ao lar, preparado para deixar o escritório ou o local de trabalho no mesmo instante em que for chamado. Essa pessoa terá um emprego de flexibilidade considerável e normalmente não terá de responder a um e-mail ou a uma ligação às dez da noite. Esse genitor não terá de cancelar sua presença num treino de futebol por causa de uma reunião de fusão e aquisição de empresas. O outro genitor, porém, ficará à disposição da empresa e fará exatamente o contrário, e os ganhos por isso serão evidentes”.
E aí, como se pode facilmente intuir, o genitor que acaba tomando esse caminho na quase totalidade das vezes é a mulher. Aqui em casa foi e é assim. Não fui forçada, mas foi uma decisão que eu e meu marido tomamos em conjunto, pensando no melhor para a nossa realidade. Eu ainda, ingenuamente, pensei que talvez um trabalho em meio período (part-time), algo ainda pouco comum no Brasil, poderia ser a solução - agora entendo como este formato também traz a sua parcela de injustiça, ao me remunerar menos proporcionalmente, na média.
O livro traz também uma análise entre pós-graduados em programas de MBA ao longo dos anos. Logo que aceitam seus primeiros empregos, as mulheres recebem 95 centavos sobre o dólar masculino. Mas, a cada ano que passa, a diferença entre suas remunerações aumenta. No ano treze, a remuneração delas cai para o nível espantosamente baixo de 64 centavos sobre o dólar masculino (exatamente o ano que eu estou, aliás, ganhando muito menos do que já ganhei e menos que meus pares).
Antes dos anos 1980, uma parte considerável do hiato salarial entre os gêneros se devia a diferenças no preparo para o mercado de trabalho, como nível educacional, treinamento e experiência de emprego. Mas, por volta de 2000, as diferenças entre homens e mulheres nesse preparo se tornaram pequenas, e o motivo dessas diferenças mais preocupantes e menos óbvias.
A diferença atual, para as mulheres nos Grupos 4 e 5, é de cerca de vinte centavos sobre o dólar masculino, metade do que era para todas as mulheres nos Grupos 2 e 3. Melhoramos, mas ainda estamos muito mal no quesito.
De acordo com Claudia,
“Dois fatores têm responsabilidade primária pelo grande hiato salarial entre os gêneros que surge entre esses MBAs: interrupções de carreira e número médio de horas de trabalho por semana. Quem trabalha menos anos teria menos experiência de emprego e menor número de clientes. Quem trabalha menos horas deveria receber menos. Mulheres com filhos pequenos podem, por iniciativa de seus supervisores, ser poupadas de clientes mais exigentes e deixadas de lado em projetos desafiadores. Também podem ter acesso negado aos clientes mais ricos e a promoções por decisão de administradores".
Se antes do nascimento de um filho os dois genitores recebem o mesmo, quando o filho está com quinze anos o marido já recebe 32% mais do que a esposa. Grande parte desse hiato, segundo um estudo sueco trazido no livro, decorre de uma diminuição na carga horária de trabalho da esposa, e outra parte decorre de uma redução no valor pago por hora.
A dura realidade é que, na média, homens conseguem ter família e uma carreira ascendente ao longo dos anos, pois as mulheres acabam estagnando ou desistindo das suas para dedicar mais tempo à família. Só que aqui, vale dizer, não só as mulheres são prejudicadas, ambos são: os homens abrem mão de tempo com os filhos (inclusive, hoje muitos dão aos netos a atenção que não puderam dar aos próprios rebentos), e as mulheres abrem mão de uma carreira que pague o que elas mereceriam.
A grande questão, que tem muito a ver com tudo que eu tenho escrito desde que comecei essa newsletter, é o tempo. Carreiras exigem tempo. Filhos exigem tempo. A paridade conjugal — uma divisão dessas exigências de tempo — permitiria que ambos alcançassem carreira e família, mas é justamente dela que ainda estamos muito longe.
O que já se fala e se sabe há anos nas discussões feministas é que nossas estruturas de trabalho e de cuidados são relíquias de um passado em que somente os homens tinham carreira e família. As mulheres passaram a ter carreiras, mas seguiram tendo uma carga quase igual de trabalho doméstico.
Fica claro que precisamos mudar a forma como o trabalho é estruturado. Temos de tornar as posições flexíveis, mais numerosas e mais produtivas.
Muito se fala também, inocentemente, que é possível pausar a carreira e retomar após os filhos crescerem um pouco. Possível é. Mas a que custo? De novo, o tempo corre, e infelizmente, não é a nosso favor. O número de horas tem grande importância para uma promoção, como se pode facilmente demonstrar em profissões que rastreiam as horas de trabalho, como a advocacia (um campo que a autora discorre bastante no livro). No meu caso, para conseguir fazer com que a minha nova carreira de escritora e mentora “renda” e acelere, eu precisaria de mais horas pra isso, horas que não tenho suficiente pois muitas delas eu invisto no cuidado com a minha filha. Ou seja, ao abrirmos mão de horas de trabalho para ficarmos com os filhos, adiamos ou abrimos mão de uma possível promoção e da aceleração das nossas carreiras e remunerações.
E quando a uma mulher uma promoção é oferecida, a mesma cena se repete muitas vezes: a condição é de que as responsabilidades aumentem e com isso, consequentemente, as horas de trabalho. E aí ela tem que escolher: aceitar a promoção, uma guinada na carreira, mais dinheiro, ao custo de menos tempo com os filhos; ou negar, colocar a carreira em segundo plano, ganhar menos e ter mais tempo com a família. São raros os cenários em que se pode, ainda, ter os dois. E aí a estreita janela etária quando se oferecem essas promoções com base no “sobe ou sai” intensifica o conflito entre família e trabalho.
Me parece que isso impacta da mesma forma mulheres que buscam ter um trabalho autônomo e independente, que também exige paciência e tempo para colher resultados. Minha experiência, inclusive, tem me mostrado isso. Bem aos poucos, estou encontrando um caminho para trabalhar de maneira autônoma, como escritora e como mentora de executivos. No entanto, por isso sou paga infinitamente menos do que era enquanto trabalhava como CLT, o que me incomoda, me angustia e não atende completamente as minhas necessidades e da minha família. Ainda assim, do alto do meu privilégio, estou conseguindo fazer isso devido aos anos acumulados de CLT em bons cargos, que me permitiram construir uma reserva financeira, e a um marido que apoia a minha escolha e necessidade de ficar mais com a minha filha e menos no trabalho, e que com isso também busca prover cada vez mais para a nossa família.
Assim como eu, existem cada vez mais mães que buscam empregos com horas mais previsíveis e mais flexíveis, e que consequentemente pagam menos, para que possam passar mais tempo cuidando das necessidades e emergências dos filhos e do lar. Disso resulta a disparidade conjugal. E quanto mais alto o cargo e a remuneração, maior essa disparidade se apresenta.
Como diz Claudia: A boa notícia? O problema não é você; é o sistema. A má notícia: o problema não é você. É o sistema.
Mas há um caminho, e há esperança.
Na minha bolha, cada vez mais eu vejo os homens buscando ser pais presentes, genitores que buscam estar cada vez mais envolvidos com os filhos e com a vida doméstica. Eles também sofrem com a necessidade de ausência em casa para poderem trabalhar fora. Meu marido sente muito isso - e por ser pai de menina, o percebo mais preocupado com a necessidade de mudança a longo prazo. Esse já é um ótimo sinal.
Um estudo trazido no livro corrobora essa hipótese:
Em 1964, 75% das mulheres e homens graduados concordavam que a carreira masculina tivesse precedência sobre a feminina. Mas a mudança estava em andamento. Em 1980, cerca de 60% dos graduados de ambos os gêneros (partindo de 25% em 1964) acreditavam que maridos e esposas deviam ter a mesma chance de seguir uma carreira (ou conseguir um “bom emprego”). Em 1998, a fração dos graduados declarando que devia haver oportunidades iguais ultrapassava 85%. Foi a última vez que se fez essa pergunta no levantamento.
Como as pessoas empregadas (homens e mulheres, ainda bem!) têm aumentado a preferência pelo tempo com a família e por relacionamentos mais igualitários, as demandas de tempo que ultrapassam a carga horária usual começam a exigir que as empresas paguem um adicional sempre maior. Se conseguissem encontrar formas de conduzir com eficiência os negócios sem pedir que os empregados trabalhassem mais rápido e/ou por mais tempo, as empresas não precisariam lhes pagar o mesmo adicional que pagam por essas horas extras. Isso reduziria o hiato salarial entre os gêneros e aumentaria a paridade conjugal.
Vejo a IA e a tecnologia como um todo como possíveis aliadas nisso. E acho que está mais do que na hora de termos menos medo e mais fé nelas, de que elas possam ser grandes recursos a nosso favor.
Além disso, outras questões são prioritárias:
Precisamos de mais escolas e creches de tempo integral, a um custo mais acessível: hoje, o setor de cuidados e o setor econômico mantêm uma clara interdependência. Enquanto as escolas não funcionarem em tempo integral, muitas mulheres não conseguirão trabalhar com eficiência e muitas não conseguirão de forma nenhuma; e enquanto o cálculo entre o custo de colocar uma criança na creche x o salário da mãe não for mais vantajoso para a mulher, essa decisão seguirá penalizando as mães;
O trabalho doméstico precisa, de uma vez por todas (já que essa discussão existe há anos), ser incluído no cálculo do PIB nacional. Isso faria com que ele fosse mais visto e valorizado, e com isso toda a discussão de paridade conjugal seria mais justa;
Os pais precisam fazer reivindicações e assumir os seus encargos: eles precisam fazer no trabalho as mesmas reivindicações que as mulheres fazem e precisam assumir mais encargos no lar para que as mulheres possam assumir encargos no trabalho.
Este último acredito que seja o principal ponto: precisamos que os homens se desprendam um pouco do trabalho, apoiem os colegas homens que tiram licença-paternidade, votem em políticas públicas que subsidiem o atendimento infantil e façam com que suas empresas mudem seus métodos gananciosos, fazendo-as entender que suas famílias valem ainda mais do que seus empregos. E que sem as famílias, sem reprodução, sem filhos, não há mercado consumidor, não há sociedade, não há economia.
As mulheres sozinhas não conseguirão empreender o tamanho da mudança que se faz necessária. Nosso mundo ainda, infelizmente, é liderado por homens, e precisamos deles como aliados. Os sonhos não se transformarão em realidade, as aspirações não serão alcançadas enquanto os homens não vierem se juntar à luta.
E por último mas não menos importante: a licença maternidade.
Minha filha recém fez 5 meses. Se eu estivesse ainda, como estive na maior parte da minha vida profissional, em um emprego CLT, eu já teria voltado de licença maternidade ou estaria em vias de. Eu não consigo conceber nesse período voltar a trabalhar em tempo integral ou com um compromisso fixo de horário. Minha filha precisa de mim, de maneira prática, de 3 em 3h, para mamar; e precisa de mim quase o tempo todo para suas necessidades subjetivas de afeto e demais cuidados. Em breve começa a introdução alimentar, esse período crucial e que tanto impactará na saúde atual e futura dela - como eu acompanharia esse processo se estivesse trabalhando em período integral? Minha filha é a prioridade para mim e para o meu marido, e não queremos terceirizar a sua criação - e, felizmente, podemos tomar essa decisão.
Como já mencionei acima, meu atual esquema de trabalho inclui privilégios, tanto os de berço como os adquiridos, e um marido compreensivo, além de investimento de tempo e dinheiro em terapia que me permitem bancar minhas escolhas. Mas, para mim, torna-se cada vez mais evidente como uma das primeiras políticas que precisam ser revisadas e alteradas é a legislação envolvendo a licença maternidade, que deveria a) ser estendida, possivelmente até 1 ano da criança e b) se transformar em uma licença parental, que contemple ambos os genitores, mitigando preconceitos que as mulheres ainda sofrem no mercado de trabalho justamente por terem esse direito, estendendo o benefício aos homens para poderem usufruí-lo e concomitantemente gerando maior paridade conjugal.
E quer saber? Tenho certeza que com isso os benefícios se estenderão a todos: às mulheres, aos homens, aos filhos. E com isso, quem sabe um eventual grupo 6, poderá poder ter carreira e família com equidade, com remunerações mais justas, com oportunidades mais justas.
É pra isso que eu tenho escrito, refletido, agido. Espero que a Felipa colha os frutos do que eu e o pai dela, e a nossa geração, plantamos. Eu aceito ganhar menos no presente se no futuro minha filha puder ganhar mais, e se puder ter paridade conjugal. O livro me ajudou a trazer esperança, ao ver como em um século mulheres pavimentaram o caminho para as próximas. E me fez acreditar que é possível que, em um futuro não tão distante, desejar um feliz dia da mulher seja mais verdadeiro, mais leve, e essencialmente mais feliz, do que é hoje.
Por enquanto ainda é um dia de luta. Seguimos.
→ Já que finalizei falando da importância de termos os homens como aliados nessa luta, que tal compartilhar esse texto com um deles? Pode ser o marido, companheiro, um amigo… Precisamos trazer eles para a conversa. Quem sabe juntos podemos ter ainda mais ideias? E claro, tá valendo compartilhar com amigas também.
→ Se você for um homem me lendo, me diz o que acha disso tudo? Deixa um comentário, vai :). Ou se tiver tímido, me chama no privado
→ Este texto foi concebido com base em muitas ideias trazidas pelo livro Carreira e família: A jornada de gerações de mulheres rumo à equidade, mas sem a pretensão de ser um resumo dele. Para um entendimento mais aprofundado, recomendo muito a leitura completa.
Repertório PZB
Acredito muito que somos o que consumimos, e que nosso repertório constrói nossa visão de mundo, nossas referências… Por isso, ando compartilhando por aqui as minhas 🙂.
Para ler
Acho que já ficou óbvio, mas reforço novamente: o livro Carreira e família: A jornada de gerações de mulheres rumo à equidade, de Claudia Goldin. É uma leitura quase acadêmica, densa, mas ainda assim acessível e importante. Tem também esse artigo que traz uma versão mais resumida, nas palavras dela.
Em um texto meu do ano passado, o #24: Cadê os homens escutando as mulheres, eu falei sobre outra problemática que me preocupa muito: como podemos fazer os homens nos escutarem mais, entender que nossas questões não são apenas nossas. Modéstia à parte gosto muito dele e acho que pode complementar bem a leitura:
O livro “A Mulher de dois esqueletos” de Julia Dantas discute as opções de uma personagem enquanto decide entre ter ou não filhos, e mistura as reflexões com crônicas da própria personagem, escritora. Formato criativo, leve e inteligente!
O texto Ser uma mulher que escreve, da Fabiane Guimarães, do Tristezas de Estimação. Ela, puerpéra da segunda filha, segue produzindo com potência e qualidade. Me inspira demais.
O texto Envelhecer é um terror, da Bruna Leão, da Brew, reflete sobre como o medo de envelhecer não é natural, é construído, e afeta, principalmente, mulheres.
Para ver:
Assisti Vinagre de Maçã no Netflix, uma loucura… Baseado em uma história real, fala sobre a pressão da vida online, a necessidade de termos cada vez mais compromisso com a verdade, a rivalidade feminina e quando ela é justificada. Adoro as 3 atrizes principais e se passa na Austrália, o país que fiz intercâmbio e que está nas minhas melhores memórias afetivas. Recomendo!
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Oi Paolinha!
Mais uma vez um texto cheio de conteúdo e análise profunda.
A luta é dura e as mulheres precisam arregimentar mais soldad(OS).
Para que a pressão pelo avanço não seja um fardo excessivo, lembro que, ao longo da história, as conquistas foram lentas e exigiram esforços de gerações inteiras.
Persistência!
A luta continua!
Oi Paola, obrigada pela reflexão. Esse é um tema que me acompanha constantemente. Tenho 2 filhas, uma de 5 e outra de 3 anos. Que são minha prioridade, mas ao mesmo tempo sinto muita falta de ter meu reconhecimento profissional. Não parei de trabalhar e tenho uma rotina de trabalho híbrido que na maioria das vezes, penso que consigo conciliar bem.. mas o sentimento de não estar sendo suficiente como mãe ou como profissional sempre me atormenta.. me parece que não existe um ideal.