#24: Cadê os homens escutando as mulheres?
Deveríamos nos contentar em, por sermos mulheres, sermos, em geral, escutadas, lidas e percebidas apenas por mulheres, também?
Nas últimas semanas, uma problemática alugou um triplex na minha cabeça.
Nesse caso, não sobre a gravidez. Mas sobre a vida e o futuro, sim.
No dia 14/06 participei de um "bate-papo literário" com as maravilhosas escritoras Carla Madeira (apenas a autora brasileira de ficção mais lida do país - se não leram, por favor juntem-se a mim que já leu 2 dos seus livros e leiam) e Martha Medeiros (uma das maiores cronistas do Brasil, com mais de 30 anos de carreira), mediado pela também incrível escritora e jornalista Fê Pandolfi (aqui, da Casa dos Textões). O encontro aconteceu no Instituto Ling, em Porto Alegre, como parte da programação da Feira do Livro Reconstrói RS, que, a propósito, foi uma baita iniciativa para reerguer o mercado editorial gaúcho, muito afetado pela tragédia das enchentes.
O evento como um todo foi gratuito, mas esse bate-papo em específico foi cobrado - se não me engano algo como R$ 69,90, com a renda revertida às vítimas das enchentes, e os ingressos esgotaram em poucas horas. Eu comprei assim que lançou e fiquei animadíssima para a ocasião.
Chegando lá, logo me surpreendi com o fato de que, em um auditório que eu chuto que cabiam cerca de 120 pessoas, lotado, consegui contar 5 homens. E aparentemente, dois eram parentes da Fê, mediadora, o pai e o marido. Fiquei chocada. E triste.
Logo me questionei: por que os homens não teriam interesse em escutar o que essas escritoras e mulheres fantásticas tem a dizer?
A pauta em si não era especificamente feminina, apesar das participantes serem, naturalmente, 3 mulheres (e brancas - nesse momento vou me limitar a considerar o recorte de gênero, mas entendo que outros obviamente também são relevantes).
A potência daquele encontro foi surreal. Para mim, uma escritora iniciante, foi um poço de inspiração.


Segundo Martha Medeiros, as melhores crônicas são aquelas escritas com entusiasmo - algo que eu sinto (quase) sempre quando escrevo aqui. E um dos melhores elogios que ela já recebeu foi quando alguém disse “Eu nunca saio de mãos abanando de um texto teu”. Ela disse que o comentário a encheu de orgulho, de pensar que ela estava sempre impactando o leitor, nem que seja para discordar. Fiquei imaginando e sonhando com um dia também chegar nesse lugar de impacto.
Já segundo Carla Madeira, a matéria prima de um escritor é o que você viveu, o que te afetou. E quando escrevemos levamos para os livros o nosso inconsciente, mesmo que de maneira despropositada. É inevitável fazer isso.
Acho que só com esses pequenos insights já dá pra entender como o bate-papo ressoou por aqui, né? E dá pra ver também que as pautas não foram sobre o feminino, foram muito mais sobre escrita e carreira literária, em geral.
No final, abriram para perguntas. E eu, incomodada desde o início com a baixa presença masculina naquele encontro tão potente, me encorajei e resolvi questioná-las o porquê elas acreditavam que aquilo acontecia. "Cadê os homens escutando as mulheres?", perguntei.
As duas deram respostas parecidas, dizendo que não era intencional para elas atraírem um público feminino, mas que acabava acontecendo pois, segundo Carla Madeira especificamente, elas são um corpo feminino escrevendo. E não tem como a gente se dissociar do próprio corpo enquanto escreve. Escrevemos a partir do nosso lugar no mundo.
Talvez eu, um pouco nervosa de falar em público (sim, apesar de normalmente ser super despachada eu sofro com isso), não tenha conseguido colocar minha pergunta de maneira assertiva e clara. Mas para mim a resposta delas não foi suficiente.
Deveríamos nos contentar em, por sermos mulheres, sermos, em geral, escutadas, lidas e percebidas apenas por mulheres, também?
Fiquei pensando na quantidade de homens que eu já li, escutei, que eu admiro e presto atenção, que inclusive fazem parte do meu dia a dia, desde escritores como Luis Fernando Veríssimo, Yuval Noah Harari, Nassim Taleb, Adam Grant, Leandro Karnal, Fabrício Carpinejar, jornalistas como Daniel Scola, Guga Chacra, Luciano Huck, Marcos Piangers, até mesmo alguns influencers como Lucas Lima, Thiago Nigro (esse com várias ressalvas, mas admito que sim, sigo) e Leandro Ladeira. Nunca penso se eles são homens ou não, apenas me identifico com seus temas e pautas e, por isso, presto atenção neles.
Lembrei também que, ano passado na feira do livro de Porto Alegre, eu participei de um painel literário com Jeferson Tenório e Itamar Vieira Jr, dois autores homens, pretos, mediado pela Nathalia Protazio, uma escritora preta. O público estava super diverso. Como eu acho que deveria ser. Saí tão energizada daquele painel naquele dia ano passado como deste recente.

Em junho, em torno dos mesmos dias da feira no Ling e do bate papo com Carla e Martha, estava rolando a discussão na Câmara dos deputados sobre a questão da equiparação de aborto a homicídio. Minha bolha do Instagram não falava de outra coisa - estimo que 95% eram mulheres defendendo o absurdo do fato de que uma mulher que praticasse o aborto após as 22 semanas teria uma pena maior que um (às vezes, até o seu possível) estuprador. Acho que vi 1 homem se manifestando contra. E só.
Fiquei também super incomodada com isso. Por que uma pauta tão relevante, que fala sobre vida, sobre sociedade, sobre gerações, só interessa às mulheres? Por que só mulheres se posicionaram?
Por último mas não menos importante, na última quarta-feira estive na Sigmund Freud Associação Psicanalítica (SIG) pela primeira vez. Eu faço psicanálise como terapia há anos, desde 2017, e ela mudou a minha vida, completamente, me ensinando a elaborar tudo que acontece comigo a partir de um viés inconsciente, e conseguindo, com isso, me tornar mais auto-consciente e auto-confiante.
Desde o ano passado tenho também me interessado pela psicanálise como disciplina e área de estudo. Estou inclusive fazendo um curso no momento sobre os fundamentos da psicanálise (em breve devo falar mais sobre tudo isso). Aí esta semana teve um evento na SIG, com o tema: "Como estamos amparando o início da vida", focando em um grupo de estudos de observação de bebês e seus cuidadores. O assunto me interessou por motivos óbvios e eu fui.

Mais um baita evento com reflexões potentes, principalmente no que tange a pensarmos nos bebês como indivíduos, não como uma extensão da mãe, e também em como hoje a categoria de "cuidadores" vai e deveria, cada vez mais, ir além da mãe. E adivinhem? Mais um evento com pouquíssima participação masculina. Tá certo que, atualmente, o campo da psicologia e da psicanálise já é, naturalmente, muito mais habitado por mulheres, mas ainda assim, essas cenas e discussões restritas me incomodam e me entristecem.
E aí, foi inevitável todos esses episódios e incômodos das últimas semanas não serem também atravessados pelo meu posicionamento em geral, e pela minha newsletter aqui.
Como acho que a maioria sabe, estou em processo de revisão do foco e estratégia desse canal, conforme falei nos meus dois últimos textos - #22: O fim "de luto e lutas" e #23:O tempo não é mais meu, é dela.
E o processo não tá sendo nada trivial.
Como eu gosto de pensar e falar, tudo que a gente não nomeia fica meio indefinido e mal elaborado dentro da gente. E eu estou com dificuldade, especialmente, de definir o novo nome deste canal. Principalmente pois quero conciliar um monte de coisa nele:
Precisa chamar atenção / gerar curiosidade;
Deve refletir o meu novo momento, o que eu sou e quero ser, e tornar-se mais leve do que é hoje;
Não pode ser excludente para homens; precisa ser mais neutro.
E esse ponto 3 tá o mais difícil.
Eu não posso nem quero me contentar com a narrativa de que eu escrevo para o feminino pois sou mulher e minhas pautas atraem mulheres, com todo respeito à visão de Martha Medeiros e Carla Madeira. Para mim, ser disruptiva, como eu gosto de ser, é conseguir trazer o masculino para a discussão de pautas "normalmente" feministas ou femininas. "Normalmente" assim, entre aspas, pois cada vez mais percebo como assuntos de maternidade, carreira e trabalho, violência contra a mulher, deveriam ser de interesse de TODA a sociedade, uma vez que a reprodução humana depende primordialmente das mulheres e isso define o futuro da sociedade. Quero ser um veículo para que as mulheres se sintam ouvidas e representadas e para que os homens sejam incentivados a nos escutarem.
Mas confesso que não sei como fazer isso.
Preciso de ajuda.
Seria muito mais fácil colocar um nome que fizesse referência à maternidade, à mulher, ao feminino, e me apropriar cada vez mais dessas pautas. Falar para a minha bolha, mulheres, 25-40 anos, classes A/B, talvez que trabalhem no mundo corporativo. Só que aqui o caminho mais fácil tende muitas vezes a não ser o escolhido 🙂
No marketing, dizemos muito que precisamos escolher nosso público e nosso nicho de atuação, e que quem quer falar com todo mundo não fala com ninguém.
Talvez eu não queira falar com todo mundo. Mas eu quero sim, falar com bastante gente.
Quero falar com gente que verdadeiramente se importa. Consigo e com os outros.
Com gente que está em processos de amadurecimento, reflexão, que gosta de sempre pensar como ser melhor. Para si e para os outros.
Inevitavelmente, acho que são pessoas não tão jovens. Talvez a partir dos 25 anos. E que estejam em momento de revisão e construção da vida, então talvez não passem lá dos 60 / 65 anos ou algo assim, pois para isso é preciso energia! Esses dias vi uma frase que para mim fez muito sentido: a gente deveria estar sempre ou em construção, ou em reforma.
A gente deveria estar sempre ou em construção, ou em reforma.
Essas pessoas que eu quero aqui. As que querem seguir sempre em um processo de transformação.
E eu queria mais homens nesse recorte.
Eu já penso, há bastante tempo, mesmo antes da Felipa ou dos seus manos anjos, que eu quero que as lutas dos meus filhos sejam mais leves que as minhas, que as nossas. Que quando a Felipa tiver seus 20 e poucos anos e estiver entrando no mercado de trabalho, ela encontre um ambiente mais igualitário, mais diverso, mais saudável, mais humano.
Eu quero construir isso. E quero gente que queira construir isso comigo. E não acho que se a gente ficar falando disso dentro do Clube da Luluzinha vai resolver.
Temos que admitir e reconhecer que homens, em geral brancos e heterossexuais, ainda definem todas as principais pautas e questões em discussão na sociedade brasileira. O que homens falam é escutado. O que mulheres falam, nem tanto.
Assim como quando falamos que não basta não ser racista, é preciso ser anti-racista, também precisamos falar que não basta não ser machista, precisamos de homens feministas.
Homens que de fato, entendem o papel central da mulher na sociedade e reconhecem que demandas como maternidade, ciclo menstrual, licença maternidade (e paternidade), auxílio creche, assédio sexual, feminicídio, e tantas outras, impactam não só as mulheres, mas a sociedade como um todo.
Isso porque todas essas pautas exigem cuidado. Exigem atenção. Se as mulheres estiverem bem cuidadas e amparadas, elas também cuidarão, ainda melhor do que já fazem hoje, do outro - sejam seus filhos, seus pais idosos, seus vizinhos ou as empresas. Elas performarão melhor nas empresas em que trabalham se não tiverem medo de serem assediadas ou de serem demitidas ao voltar da licença maternidade. E se elas performarem melhor, as empresas também performarão. E adivinhem? Com empresas que performam melhor, a sociedade civil como um todo performa melhor. Assim as mulheres ganham, as empresas ganham, a sociedade ganha. É todo um ciclo virtuoso e na minha visão relativamente simples, mas que poucas vezes é reconhecido e percebido pela população em gera como tal.
Eu acho que essa percepção ainda vai demorar para mudar como um todo. É difícil e uma mudança de comportamento muito necessária, mas também muito radical.
Mas não é porque deve demorar ou porque é difícil que não podemos e devemos começar.
E eu acredito que, de novo, eu não posso me contentar a falar só com mulheres. Eu quero convidar os homens pra discussão. Quero que eles se sintam bem vindos aqui, saibam que aqui tem um espaço de escuta pra eles, também. Um espaço para pensarmos juntos, para entendermos juntos, quais os passos que precisamos tomar.
O que estamos esperando? O que vocês estão esperando?
Cadê os homens escutando as mulheres? Homens, que mulheres vocês costumam ler, escutar, acompanhar? Que tal pensar mais criticamente sobre isso tudo? Que tal escutar mais mulheres?
Bora continuar essa conversa nos comentários?
Eu sei que eu sempre peço para vocês se engajarem nos textos e reforço como isso é importante para mim. Mas, nesse texto, a importância vai além de mim. Me ajudem a pensar como tornar esse canal inclusivo, e convidativo, para que os homens, cada vez mais, também apareçam por aqui, e para que, juntos, possamos dar passinhos em direção a um futuro melhor e mais igualitário paras próximas gerações?
Coloquem nos comentários sugestões, opiniões, críticas (reforçando que tá tudo bem discordarem de mim também, se quiserem, com respeito, claro).
Encaminhem esse texto para homens que possam curtir e nos ajudar a construir a solução, também. Compartilhem em suas redes, engajem.
Vamos juntos? Sozinha, eu não consigo 🙂
Leia os últimos textos:
#23: O tempo não é mais meu, é dela
Quem me segue nas redes sociais, deve ter percebido que a vida deu uma acelerada por aqui, né? (e se não me segue, sinta-se à vontade para me acompanhar no https://www.instagram.com/paolazbehs). Tem muita coisa acontecendo na vida pessoal e na profissional, que tem trazido várias novidades nessas últimas semanas, e por lá eu acabo contando mais em tempo…
#22: O fim "de luto e lutas"?
Nasce uma mãe, nasce uma culpa. É o que dizem, não é? Pois bem, ando me sentindo um pouco culpada. Descobri que estava grávida dia 31/01, há quase 4 meses. Lancei 3 textos aqui desde então. Todos eles assinados e abrigados dentro de "De luto e lutas: relatos de uma ex-workaholic mãe de 2 anjos", o nome deste canal que lancei faz cerca de 1 ano, no dia das…
Baita texto Paola. Reflexões muito importantes para os dias de hoje. Sempre pautei minha vida pelos direitos iguais entre homens e mulheres, em todas as áreas. Desde a maternidade até onde queiramos estar, como protagonistas de nossa próprias histórias.
E Paola traz toda essa fala para seguirmos a não nos deixar sermos diminuídas e muito menos desrespeitadas por ninguém ou instituição.
Temos exemplos tão absurdos de desrespeito como o caso recente da advogada que teve seu direito negado de ser a primeira na pauta de um julgamento, por um desembargador.
Tudo isso precisa mudar.
Os homens precisam amar mais as mulheres e estarem mais alinhadas com elas.
Nos grupos que participo, a maioria são de mulheres. No trabalho voluntário muito mais.
Tem algo errado nisso.
Talvez alguma campanha de marketing?
Mas importante Paola, que siga nessa busca por respostas que não temos.
Sigo nessa máxima: Não nascemos mulheres, nos tornamos mulheres.
Vamos ensinar aos nossos guris a importância da mulher como um todo, da casa para a sociedade.
Um grande beijo
Mamis
Olá, vamos nos encontrar no próximo encontro do Clube do livro. Parabens pelo texto, não vou deixar escapar só uma observação: a natureza masculina é mais “resumida”, dificilmente se atraem por textos longos. São mais objetivos! Beijão